Uma das histórias mais curiosas da carreira de Ayrton Senna foi o seu teste com uma McLaren de motor Lamborghini em 1993. Insatisfeita com o motor Ford-Corsworth daquela temporada, a equipe inglesa estudava uma parceria com um novo propulsor para 1994.

O momento mais marcante desse período de incertezas aconteceu no dia 20 de setembro de 1993, quando Senna apareceu na pista de Estoril, em Portugal, com uma McLaren inteiramente pintada de branco. Era justamente o McLaren-Lamborghini MP4/8B e no mesmo palco da primeira vitória do piloto na F1 oito anos depois.

Detalhes do carro

Chefe de equipe da McLaren, Ron Dennis buscava um motor de 10 ou 12 cilindros para manter a competição com a Williams e a Benetton. Senna esteve nas conversas com o engenheiro Mauro Forghieri e exigiu um carro mais eficiente para pilotar, que contasse com muito torque em rotações médias e mais suavidade na potência dos giros mais elevados.

Para ser ter uma ideia, o motor Ford-Cosworth da McLaren era versão cliente e tinha aproximadamente 50 cavalos a menos de potência que o Ford oficial de fábrica, que era utilizado pela Benetton de Michael Schumacher e Riccardo Patrese. Na comparação com a Williams, o desempenho era ainda pior: cerca de 80 cavalos a menos que o motor Renault de Alain Prost e Damon Hill.

O motor desenvolvido pela Lambo contava com 70 cavalos a mais de potência do que aquele utilizado pela McLaren em 1993, além de um propulsor V12. Tudo isso deixou Senna bastante animado.

Lamborghini na F1

A norte-americana Chrysler comprou a Lamborghini em 1987 e um dos focos era justamente competir na F1. Em 1989, o fornecimento de motores começou para a Lola, uma das pequenas do grid. Em 1990, a marca expandiu e também começou a equipar os carros da Lotus.

Em 1991, a Lamborghini esteve com os carros da Modena e da Ligier. O resultado foi um fracasso, sem marcar pontos com as duas equipes. Em 1992, as equipes foram Minardi, do brasileiro Christian Fittipaldi, e Larrousse. Em 1993, somente a Larrousse permaneceu com os motores Lambo. No total foram 80 Grandes Prêmios.

Os testes do “McLambo”

O primeiro teste de Senna com o motor da Lamborghini foi no dia 23 de setembro de 1993, com um carro era completamente branco, sem patrocínios. O brasileiro mostrou empolgação com a nova máquina, mas a McLaren surpreendentemente fechou com a Peugeot, que forneceu unidades de dez cilindros no ano seguinte para o time britânico.

Piloto de testes da McLaren até a 13ª corrida da temporada, Mika Hakkinen assumiu o posto de segundo piloto da equipe justamente no GP de Portugal, após um verdadeiro fiasco do americano Michael Andretti na categoria. No entanto, o finlandês também testaria o motor Lamborghini em Silverstone depois e cravaria um tempo 1s2 melhor do que aquele estabelecido com os motores Ford em 1993 no final de semana do GP da Inglaterra.

Senna, inclusive, já queria utilizar o novo motor nos últimos três GPs da temporada (Portugal, Japão e Austrália). No entanto, o tricampeão admitia que mais potência e sofisticação eram necessárias para adquirir mais competitividade. “Estou certo que será um ótimo motor para a próxima temporada”, disse Ayrton na época, que vivia também a indefinição de onde correria em 1994.

Os motores Peugeot escolhidos para 1994 não duraram mais de uma temporada na equipe. Após a saída de Ayrton para a Williams, a McLaren não venceu corridas em 1994 e trocou o fornecedor no ano seguinte, firmando uma parceria longa e duradoura com a Mercedes (1995-2014).

Bastidores

O que poucas pessoas souberam na época é que a McLaren já havia feito um acerto financeiro com a Peugeot antes dos testes com o motor Lamborghini e por isso o acordo com a Lambo não foi para a frente. Quem confirmou isso foi Martin Whitmarsh em depoimento ao britânico Tony Dodgins, autor do livro Ayrton Senna: All his Races.

Whitmarsh era um dos chefões da McLaren junto com Ron Dennis e lembrou do dia em que ambos foram na sede da Lambo.

“A Lamborghini chegou e nos mostrou os dados de telemetria e o motor era fantástico, com 50 ou 60 cavalos a mais do que o que nós tínhamos (Ford), e com 30 kg mais leve. Mas eu não acreditei naqueles dados porque eu via o quanto aqueles carros (da Larrousse) eram lentos. Eu lembro que fui na Lamborghini e colocamos o motor no dinamômetro e realmente vimos a agulha girar e alcançar os números de potência que eles realmente afirmavam”.

A decepção de Senna pela falta de acordo com a Lambo

“No final, não achamos que a Chrysler honraria o compromisso (de desenvolver o motor) e fizemos um acordo com a Peugeot em 1994. Contratualmente, apesar de termos testado esse motor da Lamborghini e até antes de executá-lo, eu disse ao gerente da equipe, Dave Ryan, o que deveria acontecer com o carro (no teste). Não deveria ir mais rápido que X. Se isso acontecesse, nos iria causar alguns grandes problemas contratuais. E acrescentei: ‘Mas não se preocupe, não vai (acontecer)’.

“Dave me ligou da pista e disse ‘Olha, eu não consigo parar o crescimento desse carro, ele está indo muito rápido. Parece muito bom e tem o Ayrton dentro’. Então eu disse a ele para colocar 100 kg de combustível e não dizer nada a ninguém.

“Aquilo era uma verdadeira bagunça e eu estava tendo que administrar isso. Mas o Ayrton, obviamente, percebeu que era mais rápido que o carro de motor Cosworth e queria competir com o Lamborghini nas últimas três corridas de 1993. Ele estava muito chateado que nós não faríamos isso”.

Mesmo sem os Lambo, a McLaren mostrou um desempenho melhor no final daquela temporada e venceu as últimas duas corridas com Senna no Japão e na Austrália, justamente as duas últimas vitórias do piloto brasileiro na F1. A Lamborghini ficou decepcionada com a McLaren e nunca mais voltou a correr na categoria.